Bip


Acordei com o barulho da chuva e a luminosidade do sol, lembrei-me ainda na cama de quando era pequeno, minha mãe costumava dizer que em dias assim, com sol e chuva, era o casamento da raposa, eu sempre quis ir, e quando dizia isso, ela ria, bagunçava meu cabelo e dizia que a festa acontecia no céu, e que só os animais eram convidados.

Aquilo nunca fizera sentido algum pra mim. Mas nesses dias não havia aula ou doença que me impedisse de sair na rua, que naqueles tempos era de terra batida, para tomar uma chuvarada. E só assim tomava, já que fui muito medroso e tinha medo de raios e trovões quando fechava o tempo.

Despertei das lembranças repentinamente, minhas memórias se tornavam infinitas naquela casa, onde passei infância e adolescência, até que fui estudar na capital. Nunca deixei de ir a ela até depois que meus pais morreram. Ao contrário para com minhas irmãs, os fantasmas que a memória despertava ali, não eram indesejados. Fazia-me bem, recordar de tudo.

Saí da cama em um pulo, me sentia bem disposto, entrara na banheira com uma certa pressa, a água quente já não estava tão quente assim. Logo eu me postava sentado no sofá da sala, tomando café com leite e pão com manteiga, enrolado em lençóis, ouvindo as velhas fitas do pai, no toca-fitas portátil que ganhei antes de sair de casa. Tudo aquilo construía um mar de sensações prazerosas.

Em um passar de faixa, houve um bip comprido, e vozes invadiram sem pena minha mente, eram vozes conhecidas, e a que se destacava, era a voz do único fantasma que não era bem-vindo em meu peito.

“Amigos pra sempre?” Amigos... Eu sempre respondia... ''Pra sempre.''.

O ultimo bip pareceu longo como uma vida, este mesmo barulho se tornou trilha sonoras dos flashes que passavam pela minha mente, formando um longo e dilacerador filme, de todas as risadas, te todos os abraços, brincadeiras, de todo o sentimento de nós dois, que pertencia unicamente a mim, e sua existência se limitava ao meu coração, que depois de uns tempos foi ficando cada vez menor.

No final do bip, que mal acabou e a fita foi arremessada na parede e completamente destroçada, eu me vi. Um marmanjo de mais de trinta, sem família, solteiro, a sós numa casa no meio do nada, remoendo dores cheias de poeira.

Soou alta a gargalhada histérica, afinal meu coração havia mesmo diminuído, e tanto, que de sentimentos só lembranças os trariam.


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