O trem


Ali que tudo começou. Aquela estação cheia de gente, todos apressados, correndo para um lado e para o outro, carregando suas malas em busca de seus vagões. Rita se lembrava com perfeição daquele dia, mais exatamente, do momento, e dos que o sucederam.

Ouvira apito do trem que acabava de sair, mas aquele não era o que ela tinha intuito em embarcar. E este, depois de horas de espera, não apareceu, não sabia ao certo se tivera deixado passar sem perceber, ou se estava na estação errada, o caso é que estava irada. Aquele era o trem que a levaria para a casa da tia, que ficava na capital, onde ela sempre quis morar. Seria obrigada a esperar ainda mais pelo que cobiçava, o trem só viria novamente no outro dia.

Apenas esperava, para que pudesse descontar toda aquela raiva em algum individuo qualquer que chegasse a perturbá-la, e foi o que aconteceu. Era um rapaz, tinha mais ou menos a sua idade e lhe perguntava que horas eram, antes que ela pudesse responder do pior modo que conseguia, tomou por fitar aquelas lindas perolas negras que pertenciam ao sujeito.

Só olhos, negros e pequenos, diziam tanto e eu entendia tão pouco. Muito, para me atrever a desejar, mas ele seria excessivo deste jeito tão tacanho.
Por trás destes, ousava insinuar, talvez houvesse uma melancolia singela, anormal, não de menino, não de homem, um pesar só dele, que não decifrava. Se mais algum dia pudesse olhar bem para aquelas orbes de breu novamente, eu veria algo finito num mar negro interminável.


Rita voltou a casa, o que fora uma surpresa para os pais, que desgostosos da viagem da filha, se acharam felicíssimos por ver que ela enfim não se fora, e ainda que não mais desejava ir. Pois sim, tão breve fora o encontro, e quão já haverá mudado em sua vida!O veria novamente outro dia. E outro, e outro.

Assim foi, até ela se ver enamorado do tal Pablo, que a foi pedir em namoro para o pai tão formalmente, corajoso que era, pois o velho era rijo, mesmo com isso, se fizeram casalzinho, daqueles de namoro em praça e passeio em circo, tudo muito bonito e saudável.

Mas Rita fora tirada bruscamente por suas lembranças, pelo apito do trem, ainda não era o seu.Verificou o bilhete que tinha em mãos, lá havia o numero 254, olhou para cima, numa das colunas da estação, o mesmo se repetia em tinta vermelha sobre os tijolos de lá. Rita respirou fundo.

Lá iria ela, com aquela dor no peito sufocante, o nó na garganta que a estrangulava silenciosamente, seus olhos beiravam as lágrimas, mas suas pálpebras piscavam insistentes aprisionando as pobres gotas, de orgulho que tinha Rita. Houve movimento, ela se levantou do banco e se posicionou para o embarque, estava pronta, sairia daquele lugar o quanto antes, iria morar com a tia, desta vez ela iria.

O apito do seu trem custou a soar, custou e custou, a agonia tomou de conta dela. Viu todos se afastando da zona onde estava, e não suportou as lágrimas, o trem faltou, foi isso, faltou, não virá! Olhou para trás, e lá vinha, com o belo par de olhos, as suas formosas perolas negras, agora sob um cenho franzido.
Como corria o pobre rapaz!Que mal pode chegar perto dela e logo a levou em seus braços, apertou-a, como se nunca mais ela de lá pudesse, um dia, chegar a sair. Assim ficaram por alguns instantes até que Rita percebeu o que estava acontecendo, ainda extasiada, começou a debater-se naquele arrocho, Pablo afrouxou e ela se desvencilhou dele, bastou para que o tomasse a boca em um beijo ardente.


Rita sacudiu a cabeça e passou as mãos pelo rosto, olhou para o final da linha, e lá vinha o trem, apitando freneticamente, se aproximava. Como ela desejara que Pablo tivesse mesmo vindo! Que aquele trem não chegasse na estação! Que pudesse voltar para o meio daqueles braços! Aquele trem...
Lucy F. Melo

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